Já falámos do que é o DeFi, para que servem as Digital Wallets e já mencionei stablecoins umas quantas vezes, em artigos anteriores.
Falta explicar um pouco mais a sua importância e o papel que desempenham no sector das Criptomoedas. É disso que vamos falar hoje.
O artigo parece longo, mas é importante entendê-lo.
Para quem está a começar, pode parecer tudo muito teórico mas, quando falarmos de DEX’s, lending ou liquidity pools (temas para próximos artigos), tudo fará mais sentido e perceberás melhor a importância das stablecoins 😉
O que são?
Como o próprio nome deixa adivinhar, uma stablecoin é uma criptomoeda concebida para manter um valor estável, geralmente ligada a uma moeda tradicional, como o Euro ou o Dólar.
Por outras palavras, uma stablecoin assente em dólares, deverá equivaler ao valor do dólar: 1 token de uma stablecoin = $1. Caso prático: 1 USDC = $1
O mesmo é válido para stablecoins ligadas ao euro: 1 token de uma stablecoin = 1€. Caso prático: 1 EURC = 1€
As stablecoins foram criadas para acrescentar maior utilidade às criptomoedas, trazendo a estabilidade necessária para as transacções do dia a dia, que são difíceis de conseguir com a volatilidade de criptomoedas como a Bitcoin, Ethereum, Solana, etc.
É por este motivo que, a maioria das pessoas que utiliza criptomoedas para fazer pagamentos, prefere usar stablecoins em vez de outras criptomoedas.
Muito resumidamente: as stablecoins têm o mesmo papel no sector das Criptomoedas, que o Dólar ou o Euro têm no sistema financeiro tradicional.
A Delphi Digital, publicou recentemente este comparativo com a Visa e Mastercard, que mostra a evolução do volume de transacções com stablecoins, desde o final de 2023 até ao 2º trimestre deste ano:
É bem significativo o aumento do volume, num período de ano e meio, atestando a relevância e o interesse crescente nas stablecoins.
Tipos de Stablecoins
Quando começares a mexer em criptomoedas irás deparar-te com várias stablecoins, o que pode gerar confusão. Por isso, é bom saber os diferentes tipos que existem e o que as distingue:
As equivalentes às moedas fiduciárias - aquelas em que, a empresa que criou a stablecoin, tem nas suas reservas o valor equivalente em activos tradicionais (dinheiro, títulos de tesouro ou da dívida pública). Ou seja, se a empresa tiver emitido $1 milhão de tokens da sua stablecoin, significa que tem de ter nas suas reservas, activos equivalentes a $1 milhão.
Exemplos mais conhecidos e com mais anos de mercado:
USDT - emitido pela empresa Tether, em circulação desde 2014.
1 USDT = $1
USDC - emitido pela empresa Circle, em circulação desde 2018.
1 USDC = $1
Vantagens da USDT e da USDC: são estáveis, altamente líquidas e amplamente usadas em todo o mundo;
Desvantagens: são altamente centralizadas - ou seja, há uma empresa (Tether ou Circle) que as controla e que tem o poder para as congelar.
Stablecoins colateralizadas - também mantêm uma relação de aproximadamente 1 token = $1 mas têm diferenças significativas em relação às anteriores:
São geradas através de smart contracts e não por empresas;
Requerem outras criptos como garantia (geralmente BTC ou ETH).
Geralmente, existe uma sobre-colateralização, isto é, uma garantia bastante superior à emissão. Exemplo: para emitir 100 tokens de uma stablecoin destas, podem ser necessários o equivalente a $150 em ETH.
A stablecoin colateralizada mais conhecida e antiga é a DAI, em circulação desde 2017.
As grandes vantagens da DAI são a sua descentralização e transparência - sendo possível verificar as suas reservas através de várias fontes, nomeadamente, do site MakerDAO. NOTA: o projecto está em rebranding e em breve deverá ser conhecido apenas por Sky.
A desvantagem da DAI, está na sua estabilidade. Em ocasiões pontuais e extremas, como a desvalorização abrupta dos activos que servem de garantia, a DAI perdeu temporariamente a sua correlação 1 DAI = $1.
Stablecoins algorítmicas - em vez de usarem a algum tipo de garantias, como as anteriores, as algorítmicas utilizam programação dinâmica e incentivos de mercado para manterem a estabilidade do preço. Se a stablecoin subir acima do $1, o protocolo irá criar mais para fazer baixar o preço. Se o valor cair abaixo do $1, o protocolo irá queimar tokens, para fazer o preço recuperar. Tudo de forma automática.
A vantagem das algorítmicas é a optimização do capital, uma vez que não requerem colateral ou garantia.
A grande desvantagem é a total dependência do código. A sua complexidade técnica também não ajuda, na medida em que o seu funcionamento levanta dúvidas a muitas pessoas, podendo afastá-las.
De uma forma geral e para a maioria das pessoas, as primeiras (USDC ou USDT) são aquelas que interessa conhecer, por serem as mais antigas, mais testadas e mais aceites por todo o mundo. Mas, nunca é demais saber que existem outras, com outras características.
A utilidade das Stablecoins
As stablecoins são a ligação mais fácil de fazer com o sector das finanças tradicionais, para quem acaba de chegar ao sector cripto.
1 USDT ou 1 USDC = $1
1 EURT ou 1 EURC = 1€
O “T” identifica a Tether e o “C” a Circle - as empresas emissoras destas stablecoins, como vimos em cima.
Tão simples quanto isto.
Mas, a sua utilidade não se fica por aqui:
Para operar com DEX’s - corretoras descentalizadas, sem qualquer relação com entidades bancárias - é importante ter stablecoins. Futuramente, falaremos melhor sobre o que são e como funcionam as DEX’s 😉
Permitem ganhar yield (equivalente a juros) em protocolos de DeFi;
Facilitam as transferências e remessas a nível mundial, por serem mais baratas e praticamente imediatas;
São úteis para preservar o capital durante períodos em que o mercado está mais volátil;
E, claro, para simples pagamentos no dia a dia;
Todos os pontos referidos anteriormente, estão já a ser utilizados há alguns anos.
Futuramente, as stablecoins poderão vir a ter um papel ainda mais importante, já que a sua infraestutura e a sua forma de funcionar, estão a ser usadas como base para aquilo que é chamado “o futuro dinheiro”, ou seja, sistemas de pagamento automáticos similares aos que já conhecemos e até, para as CBDC’s (Central Bank Digital Currency) - moedas digitais emitidas/controladas por Bancos Centrais. Ou seja, uma versão digital das moedas fiduciárias que conhecemos há décadas.
Regulação das Stablecoins
A União Europeia foi a primeira a definir e aprovar regras para criptoactivos com a MiCA (Markets in Crypto-Assets).
O objectivo da MiCA foi definir um conjunto de regras aceite por todos os Estados membros, para uniformizar a forma como os criptoactivos são regulados, de forma a proteger os interesses dos cidadãos.
No caso das stablecoins, são vários os pontos que regulamentam a sua utilização na União Europeia, dos quais destaco os que estão directamente relacionados com o que foi dito em cima:
A MiCA contempla dois tipos de stablecoins, as que são garantidas por reservas de dinheiro (Euro ou Dólar) e as que são garantidas por uma cesta de activos como dinheiro, commodities e outras criptos, desde que sejam reguladas;
As empresas emissoras de stablecoins que operam na Europa, têm de garantir as suas reservas;
As reservas têm de estar separadas dos restantes activos da empresa emissora e devem ser sujeitas a auditorias;
As empresas emissoras de stablecoins que cumpram os requisitos dispostos na MiCA, têm de solicitar uma licença para operar na União Europeia - esta licença pode ser obtida num Estado membro, sendo depois válida para operar em toda a U.E.;
A European Banking Authority (EBA) é a entidade responsável pela supervisão;
No que respeita às stablecoins algorítmicas, a MiCA não é totalmente clara. Aquelas que não ofereçam “garantias suficientes” não terão licença para operar na U.E.. No entanto, poderão haver excepções que coloquem as algorítmicas noutro enquadramento legal.
Nos EUA, o GENIUS Act (Guiding and Establishing National Innovation for U.S. Stablecoins Act) foi aprovado e passado a lei em Julho de 2025, no entanto, devido às regras americanas, ainda não está em vigor, podendo a sua entrada acontecer até 120 dias após a assinatura do decreto.
As disposições deste GENIUS Act não são muito diferentes das Europeias já mencionadas, mas acrescentam algumas diferenças, das quais destaco:
Além das empresas que cumpram os requisitos de liquidez, garantias e transparência, também algumas entidades bancárias que cumpram certos requisitos, podem disponibilizar stablecoins;
As yields (juros) sobre stablecoins estão proibidas para evitar concorrência com os juros dos depósitos bancários;
Esta parte da regulamentação pode ser chata e, por vezes, pouco clara. Mas, aperta o cerco a empresas mais duvidosas e, por consequência, obriga a que sejam seguidas regras para protegerem os interessas das pessoas.
A MiCA e a GENIUS Act foram as primeiras legislações aprovadas, com implicações nas stablecoins. É bem possível que sofram actualizações no futuro, para que se ajustem melhor à realidade e complexidades destes activos.
Para já, é o que temos e com base naquilo que aqui foi descrito, já deverá ser fácil a cada pessoa escolher quais stablecoins utilizar.
Curiosidades estatísticas
Este artigo já vai longo, por isso, vou deixar alguns dados estatísticos sobre stabecoins para as redes sociais.
Espreita na tua favorita: Instagram / Threads / X/Twitter
NOTA: é sempre bom relembrar que as criptomoedas, nomes, marcas e empresas aqui mencionadas, não são qualquer recomendação de investimento.
Os nomes mencionados foram escolhidos por serem os mais antigos ou os mais utilizados ou os mais representativos, em termos de quota de mercado. Existem outras stablecoins.
Cabe a cada pessoa fazer a sua própria análise, antes de decidir no que investir.