Preços: o que os influencia?
Adivinhar os preços dos activos, é futurologia. Felizmente, existem outras ferramentas...
O artigo de hoje, serve de complemento ao mail que enviei na semana passada para os/as Subscritores/as.
Se não percebeste bem a importância de notícias como aquelas que partilhei nesse mail, o artigo de hoje vai ajudar-te a juntar as peças.
Adivinhar os preços dos activos, é um pouco como querer adivinhar a chave do Euromilhões.
No entanto, existem alguns sinais que nos indicam a direcção dos mercados. Além disso, investidores/as bem informados/as e atentos/as, conseguem identificar algumas das artimanhas dos grandes players, protegendo-se ou colocando-se em situações mais favoráveis.
Ciclos Económicos ≠ Ciclos de Mercado
Já vimos o que são Ciclos de Mercado e como os podemos identificar. Mas, há que considerar também os Ciclos Económicos que, embora tenham semelhanças, são diferentes.
Os Ciclos Económicos reflectem as flutuações das actividades económicas de um país ou região e dizem-nos qual a sua capacidade produtiva num determinado período.
Estas flutuações passam, geralmente, por 4 fases:
Expansão - quando a economia está a crescer, os níveis de produção são altos, o desemprego está controlado ou a cair, costumam haver aumentos salariais e o acesso ao crédito é facilitado;
Boom - quando a economia atinge o pico, com a produção a atingir níveis máximos e a taxa de desemprego é baixa. Normalmente, é por esta altura que começam a surgir os sinais de inflacção;
Contracção - a actividade económica começa a cair, ou seja, baixam os índices de consumo, reduzem-se os investimentos e aumenta o desemprego;
Recessão - a fase de declínio mais avançada, com desemprego elevado, níveis de produção baixos, pessimismo generalizado. Tecnicamente, os economistas consideram que a economia de um país entra numa fase de Recessão, quando tem dois trimestres seguidos de queda do PIB (Produto Interno Bruto).
Qual a relevância disto para os preços dos activos?
Bastante, porque os ciclos andam em paralelo, com a diferença de que os Mercados tendem a jogar por antecipação, já que andam sempre a tentar ler os sinais, os indicadores, as taxas, todo o tipo de análises e estudos que lhes permitam identificar falhas ou oportunidades.
Costuma dizer-se que determinada notícia já “foi precificada”, precisamente por causa dessa antecipação.
Outra expressão muito comum é “buy the rumor, sell the news” - comprar quando surge o rumor e vender quando sai a notícia/confirmação.
Quando os Mercados identificam sinais bons ou maus na Economia (ou outros eventos impactantes), isso reflecte-se automaticamente nos preços dos activos, mesmo que ainda não haja confirmação.
Quando esses sinais ou notícias se confirmam, a reacção dos preços pode ser pouco significativa por já ter acontecido a tal “precificação”.
Taxas de Juro
Um exemplo muito comum dessa “precificação” ou antecipação, acontece com os cortes ou aumentos das taxas de juro, por parte dos bancos centrais.
Os cortes ou diminuições das taxas de juro, em termos simples, significa que o dinheiro fica mais barato (os juros sobre os empréstimos, ficam mais baixos). Isto é bom sinal para os mercados, porque incentiva os investidores a assumirem mais riscos.
Quando acontecem os cortes nas taxas de juro, é habitual ver os preços dos activos de risco a subirem (Acções e Criptomoedas). Por oposição, activos mais conservadores como o Ouro, tendem a desvalorizar.
E, o inverso, é igualmente aplicável. Quando as taxas de juro sobem, há tendência para uma maior contenção por parte dos investidores e os preços dos activos de risco, tendem a cair.
A “precificação” por parte dos Mercados, das mexidas as taxas de juro, acontece frequentemente, porque os investidores estão atentos a:
Expectativas e consensos entre os membros dos bancos centrais, que vão dando sinais das suas intenções através de comunicados, entrevistas e atas das suas reuniões;
Redução de incertezas - já sabemos que os Mercados (investidores) não gostam de incertezas. Por isso, quando o ponto anterior se verifica, o Mercado começa a ver uma direcção e isso reflecte-se quase de imediato nos preços;
Por isso é que, quando chegam estes comunicados oficiais, não se notam grandes impactos nos Mercados. Mas, se observarmos as movimentações nos dias/semanas anteriores, verifica-se que o impacto já lá estava.
Earnings e Guidance
Trimestralmente, semestralmente ou anualmente (consoante as leis do país em que estão sediadas), as empresas cotadas em bolsa, têm de apresentar os seus resultados.
Para quem acabou de chegar, estes comunicados/relatórios são secantes, chatos e desmotivam facilmente - a menos que, tenhamos investido nessa empresa ou estejamos a pensar fazê-lo em breve.
Poderíamos revisitar alguns dos termos técnicos de que já falámos aqui, aos quais os accionistas e investidores estão particularmente atentos nestes dias.
Mas, a verdade é que a análise de métricas como a Facturação, Lucro Líquido, EBIDTA, P/E Ratio, etc - apesar de relevantes - não são definitivos nem oferecem garantias sobre o desempenho dos preços dessa empresa.
Há muitos casos de empresas que, nas suas apresentações de resultados, têm números fantásticos, aparentando estar de boa saúde. Mas depois, o preço das Acções não reage, ou reage muito timidamente. Isto pode acontecer por uns quantos motivos:
o facto do mercado, como um todo, estar numa fase de baixa;
o sector no qual essa empresa se insere, estar a ser afectado por alguma situação específica;
a empresa pode estar a debater-se com processos legais relevantes;
o Guidance (orientação para o próximo período) apresentado na reunião de earnings, não foi entusiasmante para os investidores;
Igualmente comum, é verificar-se o oposto. Empresas que apresentam resultados abaixo do esperado e que, ainda assim, vêm o preço da suas acções subirem depois disso. Isto pode dever-se também a vários motivos, sendo os mais comuns:
uma comunicação de Earnings com um show de marketing - em vez de um painel de executivos chatos a apresentar números, a empresa faz uma apresentação toda dinâmica e interactiva, como se se tratasse do lançamento da “última Coca-Cola do deserto”;
apresentação de resultados acompanhada de um Guidance bastante positivo e/ou alinhando com as tendências do mercado - isto tem sido particularmente visível com empresas que aproveitam estas alturas para comunicar que estão a investir na moda do momento - Inteligência Artificial ou Blockchain;
a aprovação de novas leis que favorecem a área em que a empresa actua;
tudo aquilo que possa ser entendido como benéfico para os produtos/serviços da empresa e que sejam comunicados de forma bem apelativa aos accionistas e potenciais investidores;
Os períodos de Earnings, apesar de terem o potencial de impactar seriamente os preços das acções, devem ser sempre encarados de forma contextual, dependendo do sector ou industria em questão e do Ciclo de Mercado em que nos encontramos.
Além disso, como alguns sectores têm demonstrado, as Guidances podem ser tão ao mais importantes - em termos de movimentos dos preços - do que os Earnings.
Oferta, Procura e Liquidez
A Lei clássica dos mercados - a da Oferta e da Procura - também se reflecte no comportamento dos preços.
Geralmente, se a Procura é muita, os preços tendem a subir. E, se a Oferta é muita (quando há muitas pessoas a quererem vender as suas acções), os preços tendem a cair.
Mas, mais uma vez, esta análise nem sempre é assim tão simples.
A Liquidez tem uma palavra a dizer neste jogo entre a Oferta e a Procura.
Por exemplo, no caso de empresas muito grandes, como a NVIDIA ou a Apple, uma única compra ou venda 5 milhões de euros de Acções, não terá grande impacto no preço. Mas, se estes 5 milhões forem usados para comprar ou vender Acções de uma empresa pequena, uma única ordem, pode gerar movimentos abruptos do preço das Acções dessa empresa.
Portanto, quando uma Acção cai ou dispara, sem motivo aparente, sem nenhuma notícia relevante, muito provavelmente, foi por uma questão de liquidez.
Sentimento, Momento e Narrativas
Mais uma vez, temos de falar da psicologia humana. Já sabemos que as movimentação dos preços, são um reflexo do comportamento das pessoas. Então, faz todo o sentido considerar a Ganância e o Medo que, frequentemente, se sobrepõe à lógica e à razão na hora de tomar decisões.
Isto é tão verdade que, foram criados indicadores para medir estes sentimentos:
CNN Business Fear & Greed Index - para Acções
Fear & Greed Index - para Criptomoedas
Quando estes índices estão em níveis elevados, acima dos 60, o Mercado está a entrar nos níveis de Ganância. O optimismo está em altas, aproximando-se da euforia, de que falámos aqui. Durante estes períodos, os preços tendem a subir, porque a maioria das pessoas estão a comprar.
Quando caem abaixo dos 40, o Mercado começa a entrar numa onda de Medo e é frequente haver mais pessoas a vender do que a comprar e, por consequência, os preços caem.
Outro indicador igualmente importante, é o VIX que mede o nível de receio dos investidores. Acima dos 30, é quando as coisas começam a correr mal. Abaixo dos 15, costuma coincidir com um optimismo, levando ao pico da euforia:
Como podemos ver, há picos acima dos 40 (pânico nos mercados) de que a maioria das pessoas se lembrará: anos 2000 (bolha DotCom), 2008 (crise financeira), 2020 (COVID).
E, claro, as Narrativas. Já sabemos como podem ser importantes. No início do século, tivemos a “revolução da internet”, que levou à bolha do DotCom. Entre 2020-2021, tivemos a moda dos veículos eléctricos e das energias renováveis. Desde 2023/4, temos estado na fase da Inteligência Artificial e agora, aparentemente, a juntar-se também a Blockchain.
A nossa opinião sobre estas modas, é irrelevante no contexto dos Mercados. Tudo o que é preciso, é que exista um número considerável de pessoas que acreditem no seu potencial e que invistam. A partir daqui, é ver as coisas desenrolarem-se como no passado porque, afinal, é tudo uma questão de comportamento humano.
As tecnologias podem ser diferentes. Os produtos ou serviços podem ser totalmente diferentes mas, o comportamento humano mantém-se.
Gostemos ou não destas modas, os dados não mentem. Basta ver a que sectores pertencem as empresas que mais se valorizaram nestes períodos.
Window dressing / undressing
Este termo refere-se a uma técnica que, por vezes, os gestores de fundos utilizam no final de cada trimestre e que pode ter impacto nos preços de Acções, devido às quantidades compradas ou vendidas.
Como se sabe, as empresas americanas têm de apresentar resultados aos seus investidores no final de cada trimestre. E, os gestores de fundos que investem nelas, têm também de enviar relatórios de resultados aos seus clientes. Sabendo que há empresas que se destacam pelo seu desempenho, é natural que estes gestores de fundos queiram causar boa impressão junto dos seus clientes. Para isso, pode acontecer fazerem compras significativas perto do final do trimestre, para que o relatório que vão enviar depois, inclua algumas das empresas com melhores resultados. Isto é o chamado window dressing - basicamente, colocar a montra bonitinha.
O inverso também pode acontecer. Se, um determinado fundo tem em carteira alguns activos que desvalorizaram, é possível que os gestores responsáveis, optem por desfazer-se delas, assumindo o prejuízo, para que no relatório a enviar aos clientes, não constem nomes problemáticos.
Na prática, estas jogadas não mudam muito o valor dos portfolios geridos por estes fundos. Mas, o objectivo desta estratégia é iludir os clientes, na medida em que os resultados apresentados mostram as participações detidas pelos fundos. E, claro, toda a gente gosta de ver os melhores “jogadores” na sua “equipa”.
Mesmo que a performance do fundo naquele trimestre não tenha sido espectacular, o facto dos clientes verem que têm na sua equipa (portfolio) os “jogadores” mais vistosos, acaba por lhes dar uma certa confiança.
Do ponto de vista legal, não há nada de errado nestas jogadas. Trata-se da normal compra e venda de activos.
Do ponto de vista ético, já não se pode dizer a mesma coisa. Afinal, estamos a falar de fazer compras/vendas só para mascarar resultados nos relatórios e disfarçar o real desempenho do fundo onde os clientes investiram.
Ter noção da existência deste tipo de jogadas é importante, porque estes fundos operam com milhões ou biliões - o tipo de quantidade que pode desequilibrar o balanço entre a Oferta e a Procura, afectando o preço dos activos.
A conclusão desconfortável
Tentei que este artigo não fosse demasiado técnico, para não assustar nem desmotivar ninguém.
Face ao exposto aqui, como disse logo no início, é praticamente impossível adivinhar o preço de determinado activo. Mas agora, já sabes alguns dos aspectos que influenciam os movimentos dos preços.
Apesar de nada disto ser 100% garantido, a consciência da existência destes factores, combinada com métricas e indicadores técnicos, já ajudam a reforçar ou contrariar as nossas teses de investimento.
No entanto, toda esta informação deve ser encarada sempre de forma contextual e com as devidas reservas porque, como explicado, existirão sempre factores imprevisíveis, que podem deitar por terra as melhores análises.
Às vezes, prevalecem os resultados das empresas, outras vezes, ganham as narrativas e, por vezes, há quem tenha simplesmente sorte. Mas, para quem está nisto para o longo prazo... confiar que a nossa sorte se vai repetir ao longo dos anos... já é esticar a corda do bom senso.
Quem investe com uma perspectiva de 5 ou mais anos, pode assistir a tudo isto, tranquilamente, à distância. O gráfico do VIX mostrado em cima, é mais uma prova disto.
Quem investe com uma perspectiva de mais curto prazo, deve estar mentalmente preparado para o que aqui foi dito e saber ser ágil e humilde, para navegar este mar turbulento dos Mercados, sem se afogar.