Bolhas e Black Swans
Bolhas e Black Swans - as diferenças e aquilo a que devemos prestar atenção...
Ultimamente, muito se tem falado sobre uma possível bolha no mercado.
"Bolha" é um termo comum que a maioria já terá ouvido, quanto mais não seja, nas notícias.
Black Swan events, é uma designação que quem acompanha os mercados há mais tempo deverá conhecer bem. Para outras pessoas, poderá ser novidade.
Hoje, vamos conhecer melhor estes dois termos e os seus impactos.
Uma Bolha, é um fenómeno que - geralmente - é possível de se observar a crescer, a inflaccionar, a inchar, enfim... o processo que dá origem ao termo "bolha".
As Bolhas costumam ser observáveis, porque resultam de uma euforia crescente, da especulação sem travões e do comportamento em manada.
O termo Bolha, por vezes, é erradamente aplicado em algumas circunstâncias de bull market, quando os preços sobem muito. Erradamente porque, mesmo durante bull markets, é normal haverem retracções/correcções significativas nos movimentos - o que vai contra a definição de uma Bolha.
As Bolhas costumam formar-se aos poucos, geralmente com recuos pouco significativos. Vão crescendo e aumentando.
Já um evento Black Swan, é um acontecimento repentino e praticamente impossível de prever. Tão simples quanto isto.
É um evento súbito e que pode ter uma duração temporal curta no momento do impacto mas, que tem consequências prolongadas.
O termo - Black Swan - tornou-se popular entre investidores, economistas, analistas e pessoas interessadas nos mercados, depois da publicação do livro "The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable" de Nassim Nicholas Taleb.
Segundo o autor, este tipo de eventos, assenta em 3 grandes pilares:
A ilusão da previsão - o ser humano tem tendência para prever o futuro, utilizando dados do passado. Embora isto seja válido até certo ponto, a verdade é que acontecimentos marcantes e decisivos não seguem padrões históricos;
O mundo é governado pelo atípico - derivado do ponto anterior, o autor defende que damos muita atenção aos acontecimentos diários, no entanto, estes acabam por ter pouco impacto, quando comparados com eventos raros e atípicos, que acabam por moldar economias, políticas e a vida da sociedade.
A falácia da narrativa - não obstante a importância das narrativas, de que já falámos anteriormente, na perspectiva do autor, ela pode ser uma falácia, já que usamos as narrativas para nos ajudar a compreender acontecimentos passados e prever futuros. Mas, perante Black Swans, as narrativas são inúteis.
Dito isto, um acontecimento Black Swan, tem 3 características distintas:
Raridade - está fora das expectativas normais.
Impacto extremo - causa mudanças grandes.
Retrospectiva ilusória - depois de acontecer, as pessoas tentam racionalizar a situação, como se tivesse sido possível prevê-la.
Olhando para a História recente, temos 3 casos que podemos encaixar nestes termos.
Bolha dot-com (final década de 90, início anos 2000)
O que aconteceu: o mercado recém nascido de empresas de tecnologia/internet cresceu muito rápido em pouco tempo, levando à sua explosão. As empresas deste sector estavam com avaliações altíssimas, sem fundamento real, ao que se seguiram quedas abruptas entre 2000 e 2002.
Da perspectiva de um Black Swan:
Imprevisível? Para a maioria dos investidores sim, embora alguns analistas alertassem que os preços eram irrealistas.
Impacto enorme? Sim, afectou o mercado de acções global, destruiu fortunas e levou muitas startups à falência.
Explicação retrospectiva? Depois do evento, muitos “viram” sinais claros: modelos de negócio frágeis, euforia excessiva, falta de lucros.
Conclusão: ainda hoje há quem discuta se foi uma Bolha ou um Black Swan, já que haviam sinais evidentes para quem quisesse ver - no entanto, se considerarmos a "retrospectiva ilusória" de Taleb, até pode ser considerado um Black Swan.
Crise financeira de 2008
O que aconteceu: colapso do mercado imobiliário dos EUA e do sistema bancário, causado por excesso de crédito, hipotecas subprime e produtos financeiros complexos que foram vendidos como pães quentes.
Da perspectiva de um Black Swan:
Imprevisível? Para o público em geral, sim. Para um pequeno grupo de investidores, não - conforme retratou o filme "The Big Short".
Impacto enorme? Sim, provocou a maior recessão económica desde 1929.
Explicação retrospectiva? Mais tarde, ficou “óbvio” que a bolha imobiliária e a alavancagem dos bancos eram insustentáveis.
Conclusão: é um exemplo clássico de um evento visto como Black Swan pelo público, mas que alguns especialistas contra-argumentam com sinais que foram ignorados.
Pandemia COVID-19 (2020)
O que aconteceu: surto global de um vírus que provocou confinamentos, paragem de cadeias de abastecimento, paralisou alguns sectores e levou à queda abrupta dos mercados.
Da perspectiva de um Black Swan:
Imprevisível? Sim, para a maioria, embora epidemias estejam sempre no radar da ciência e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Impacto enorme? Sim, afectou a saúde da população, economia, política e hábitos sociais em todo o planeta.
Explicação retrospectiva? Depois do sucedido, apontaram-se falhas na preparação global e a inevitabilidade de pandemias.
Conclusão: Nassim Taleb, curiosamente, não considerou a COVID-19 como um verdadeiro Black Swan, porque pandemias são previsíveis (o autor chamou-lhe um “evento altamente provável que foi ignorado”). Em todo o caso, o impacto económico deste evento, é considerado pela maioria, como um Black Swan para os mercados.
Conclusões
Haverão sempre argumentos e discussões sobre o rótulo a colocar nestes (e outros) eventos.
Chamem-lhe o que quiserem. O que podemos retirar daqui é que:
Eles acontecem mesmo. Surgem sinais, são ignorados ou menosprezados e depois, dá-se o facto.
São um lembrete para a importância da Diversificação - de activos e de classes de activos - como forma de mitigar os impactos de um possível cenário Black Swan ou de uma Bolha.
São também um lembrete para nos mantermos informados e exercitarmos a nossa capacidade de análise crítica - que deve traduzir-se numa boa gestão de risco.
Sobre o cenário actual, são alguns os sinais que apontam para uma possível Bolha:
Número crescente de empresas sobrevalorizadas;
A especulação está em níveis altos, como demonstra o interesse crescente em meme stocks;
Há uma concentração bastante grande de riqueza num pequeno grupo de empresas (as Mega Caps);
As oportunidades de emprego não estão a aumentar, nem a actividade económica, o que torna difícil de justificar a quantidade de Acções que estão a atingir máximos históricos;
A corrida atrás da próxima estrela da Inteligência Artificial, que se verifica através da rapidez com que empresas deste sector se estão a financiar e das expectativas (ir)realistas de crescimento no curto-médio prazo;
Os níveis de endividamento global estão em máximos históricos;
Isoladamente, estes pontos representam pouco. Todos juntos, combinados com instabilidade geopolítica, são misturas perigosas.
É óbvio que estes pontos podem ser relativizados com outros argumentos. A ideia deste artigo não é assustar ninguém.
No entanto, considerando aquilo que a História recente já nos mostrou, parece-me relevante (e prudente) chamar a atenção para eles.
Como tenho dito desde o início, este Diário procura mais dados do que de hypes.
Cabe a cada pessoa fazer as suas próprias análises e agir em conformidade.