Quando se fala de investir, seja lá qual for o activo, entre as primeiras reacções das pessoas, estão os cálculos. Qual a relação entre o retorno e o risco? O que dizem os dados económicos? O que revelam os dados técnicos? Como está a saúde financeira da empresa?
Apesar deste raciocínio não estar errado, falta-lhe uma componente essencial: a psicológica. Os movimentos dos preços, não são mais do que o reflexo do comportamento humano. E, o comportamento humano, é altamente condicionado pelo contexto, pela narrativa corrente.
A narrativa, é o contexto que ajuda a dar sentido aos dados que vemos nos relatórios, nos gráficos, nas notícias.
Enquanto que os dados nos mostram o que está a acontecer, as narrativas, ajudam-nos a perceber os motivos e, por vezes, até a decidir o que fazer a seguir.
Apliquemos então esta introdução às Criptomoedas, algo cada vez mais falado e que já faz parte do dia a dia de muita gente, enquanto que outros ainda continuam a considerá-las um scam.
Quais são os factos apresentados pelos proponentes do uso de Criptomoedas?
Um mercado verdadeiramente global. Funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Independentemente da geografia, feriados ou aspectos culturais, o mercado das criptoactivos está em permanente funcionamento.
A inclusão. Nos países desenvolvidos não se pensa muito nisto mas, uma boa parte da população global não tem acesso a serviços bancários. A tecnologia da blockchain, através de ferramentas como as criptomoedas, ajuda a ultrapassar isso. Tudo o que é preciso, é um smartphone e ligação à internet. Além disso, muitas blockchains, têm um custo de utilização bastante baixo, quanto comparado com os bancos tradicionais, facilitando assim a adopção por parte de populações desfavorecidas.
A auto-custódia. As criptomoedas surgiram como alternativa ao sistema financeiro tradicional (como veremos em futuros artigos) e, como tal, propõe devolver aos cidadãos a custódia dos seus activos. Desta forma, evita-se a confiança cega em instituições que se pensava serem seguras mas que, a História recente, mostrou não serem assim tão confiáveis.
A descentralização. No seguimento do ponto anterior, este é outro aspecto que os proponentes das criptomoedas criticam no sistema tradicional - o controlo de um sistema por parte de uma ou mais entidades (geralmente, os bancos centrais). Por oposição, as criptomoedas, ao utilizarem a blockchain, podem ser descentralizadas, independentes de países, governos ou instituições. De uma forma geral, a descentralização pode ser resumida da seguinte forma: nenhuma entidade pode ter controlo unilateral sobre a rede. Este é um dos principais pontos a favor das criptomoedas já que, a verdadeira descentralização, ajuda a minimizar os riscos, ao dispersar os possíveis pontos de ataque. Este é um dos pontos mais importantes e, por vezes, desprezado e merecerá um artigo dedicado em breve.
A inovação tecnológica. A blockchain, trouxe inovações tecnológicas que permitiram a proliferação dos Smart Contracts e do DeFi (Decentralized Finance). Por outras palavras, a tecnologia da blockchain, permitiu pegar no ponto anterior (a descentralização), e aplicá-la às finanças tradicionais. A maioria das coisas que eram feitas através de bancos, como transferências, pagamentos ou empréstimos, podem agora ser feitas através de diversos protocolos na blockchain, utilizando smart contracts (contractos inteligentes) e, claro, as criptomoedas.
Transparência e segurança. Os projectos que abraçaram verdadeiramente a filosofia original das criptomoedas, fazem-no utilizando as características da blockchain que fazem com que as transacções sejam públicas e imutáveis, reduzindo assim o risco de manipulações ou acções fraudulentas.
Uma relação clara com o futuro próximo. Num mundo cada vez mais digital e global, a utilização de uma forma de dinheiro digital e sem fronteiras, acaba por ser uma consequência natural. Além disso, não se trata apenas de dinheiro, mas de outras áreas e serviços que estão a migrar para o digital. Esta tendência crescente é notória na área da tokenização de activos como o imobiliário, as identidades digitais, ou até matérias primas. Esta migração é facilitada e potenciada pelas características descritas em cima.
Como seria de esperar, nem tudo é perfeito e existem naturalmente críticas ao uso de criptomoedas:
A descentralização, que nem sempre o é. Apesar de ter mencionado a descentralização como uma das vantagens das criptomoedas, a verdade é que, há muitos projectos que utilizam este chavão como se fosse uma técnica de marketing. Tal como muitas empresas usam o chavão da Inteligência Artificial para tentar valorizar os seus serviços, quando na verdade, estão a usar meras automações. A parte boa da descentralização, é que ela é mensurável e pública. Por isso, qualquer pessoa pode fazer a sua análise e tirar as suas conclusões. Uma blockchain ou criptoactivo, só é verdadeiramente descentralizado, quando:
o código utilizado no seu desenvolvimento, for open source, aberto ao público;
não existe uma concentração de validadores da rede ou de mineradores do token;
o controlo do sistema de governança e tesouraria do projecto não está concentrado num pequeno grupo de pessoas - ele deve estar aberto à participação dos detentores dos tokens;
Transparência e segurança. Tal como o ponto anterior, também este tem de ser falado no lado das críticas, já que nem todos os projectos fomentam a transparência, alimentando assim a ideia de que as criptomoedas são usadas para lavagem de dinheiro e actividades ilícitas. Apesar desta crítica ser válida, não deve ser usada como uma generalização, porque são muitos os projectos que pautam pela transparência das suas actividades. Este é mais um dos motivos pelo qual se repete constantemente que, cada pessoa deve fazer o seu trabalho de casa, a sua análise, antes de decidir que projectos ou blockchains quer usar.
A elevada volatilidade. Se pensarmos nas criptomoedas, da perspectiva de investimento financeiro, a elevadíssima volatilidade da maioria delas, é um motivo de preocupação, já que pode levar a prejuízos elevados, principalmente, para pessoas menos experientes. É importante referir também que, esta característica da volatilidade não deve ser reduzida ao seu lado negativo. Ela é uma característica e, quem tiver consciência disso, só tem a beneficiar.
Segurança e ataques cibernéticos. A maioria dos projectos de criptomoedas, são relativamente recentes, têm poucos anos de existência. Isto significa que ainda não têm um histórico sólido que mostre a sua resistência a diferentes tipos de ataques. Muitas empresas estão numa espécie de "corrida pelo ouro", tentando lançar projectos o mais rapidamente possível. Isto faz com que, em alguns casos, a prioridade seja a apresentação de resultados (um produto pronto a usar), relegando para segundo plano, aspectos como a segurança, o que os torna alvos fáceis para hackers.
Enquadramento legal. Apesar dos esforços dos países mais desenvolvidos, principalmente na União Europeia e nos EUA, o enquadramento legal destes activos ainda tem muitas áreas por clarificar. Esta crítica já começa a perder força, com as recentes aprovações de leis na UE e EUA. São as primeiras, ainda longe de serem totalmente abrangentes mas, já foram um passo importante e, é de esperar que em breve, surjam mais regulamentações sobre esta área.
Falta de protecção para o consumidor. Como consequência do ponto anterior, a pouca legislação existente sobre esta área, faz com que ainda não existam mecanismos de protecção para os consumidores.
Auto-custódia complexa. Este ponto também está a mudar e é uma crítica que deixará de fazer sentido em breve. Para muitos utilizadores, o processo de criação/gestão de uma carteira digital, que lhes permita ter total controlo sobre os seus activos, tem sido descrito como complexo, podendo levar a falhas de segurança. Algumas carteiras digitais já começam a permitir, o acesso com recurso a um simples email e password, similar àquilo que a maioria dos consumidores já utiliza noutros serviços.
Falta de informação/conhecimento sobre o tema. Por fim, não poderia deixar de mencionar este aspecto, não como uma crítica propriamente dita às criptomoedas mas, como um alerta geral. Há muitas pessoas começam a usar criptomoedas, impulsionadas pelos números com ouvem nas notícias, por influencers ou por algum amigo. Ao fazerem-no, sem compreenderem bem a sua natureza e características, estão a abrir as portas para alimentarem algumas das críticas mencionadas em cima.
Este é o primeiro artigo sobre Criptomoedas e nos próximos, iremos aprofundar e desenvolver melhor alguns dos pontos aqui referidos.