Concentração, Dispersão e Diversificação
A distinção entre estes termos parece clara, mas é fácil cair em armadilhas.
Um dos erros mais comuns de quem está a começar a construir a sua carteira ou portfolio de investimentos, está relacionado com o delicado equilíbrio entre diversificar e dispersar.
Independentemente dos objectivos de cada pessoa, para quem quiser respeitar o princípio da diversificação (geralmente, uma das melhores formas de minimizar o risco), é importante saber que existem limites e saber identificá-los.
Vamos olhar para os casos do João e da Maria.
O João, foi daqueles que entrou no mercado em boa altura. Apanhou os ventos favoráveis aos Semicondutores e à Inteligência Artificial e investiu na NVIDIA, Tesla e Broadcom. Os resultados positivos, na ordem dos dois a três dígitos anuais, deixaram-no entusiasmado e ele acabou por reforçar esses investimentos com o dinheiro que tinha disponível.
Estava mesmo contente! Sempre que tinha oportunidade, falava maravilhas da NVIDIA, Tesla e Broadcom. Ele nem sequer queria convencer os amigos a comprarem. Estava, simplesmente, orgulhoso das suas escolhas.
No entanto, nada sobe em linha recta e, passados uns tempos, o mercado fez aquilo que costuma fazer ciclicamente: mudou de direcção. O João não ficou em maus lençóis, porque são empresas sólidas e aguentaram bem a turbulência mas, também não retirou lucros nenhuns de todo aquele entusiasmo.
Falemos agora da Maria. O seu primeiro investimento, há já vários anos, foi o Ouro. Uma entrada cautelosa, investindo em algo seguro.
Ao fim de uns tempos e não vendo grandes retornos deste investimento, começou a olhar para a bolsa americana, nomeadamente para as Mag 7 (Apple, Amazon, Tesla, NVIDIA, Meta, Microsoft e Alphabet) e os seus resultados bem mais apelativos.
Aos poucos, foi fazendo pequenas compras das Mag 7. Estando bem informada, percebeu que as suas acções estavam demasiado concentradas - todas ligadas ao sector tecnológico.
Resolveu diversificar e começou a investir em ETF's que pagassem dividendos. Quando veio a turbulência, que deu cabo dos lucros do João, a Maria decidiu investir pelo seguro e começou a comprar títulos do tesouro.
Entretanto, no seu circulo, começou a ouvir falar de Criptomoedas e de como eram muito mais rentáveis do que qualquer um dos activos que ela já tinha em carteira. Seguindo as sugestões de amigos, começou a comprar algumas.
Conclusão: se hoje, alguém perguntasse à Maria como estava o portfolio dela, dificilmente teria uma resposta objectiva na hora. De todos os investimentos feitos ao longo dos anos, ela tinha mais de 20 activos em carteira e para responder a essa pergunta, precisava de um portfolio tracker a sério, para fazer um ponto de situação das diferentes classes de activos e suas participações.
Uma pequena nota adicional sobre a Maria: tem mais de 40 anos, um cargo de direcção numa multinacional e é mãe solteira de um rapaz em idade pré-escolar. O trabalho dela não está relacionado com os mercados e, desta breve descrição, dá para perceber como o dia a dia dela é preenchido com outras responsabilidades. A sua estratégia foi sempre a do DCA (Dollar Cost Average) para longo prazo.
Temos aqui 2 casos, que podemos considerar como 2 extremos. Por um lado, o João e a Concentração dos seus investimentos num só sector. Por outro lado, a Maria e aquilo que poderia ser a Diversificação - mas que, considerando o descrito, se enquadra mais na Dispersão.
A menos que estejamos a falar de um/a investidor/a profissional ou de um/a gestor/a de fundos, se uma pessoa não consegue responder directa e objectivamente a: valor, motivo e objectivo dos seus activos, então, poderá estar fora dos seus limites.
É uma boa altura, para lembrar a velha máxima de Peter Drucker, que dizia que só podemos gerir o que podemos medir.
Princípios de uma Diversificação equilibrada
Investir em classes de activos diferentes. Exemplos: Acções, Metais Preciosos, Criptomoedas, Imobiliário, Títulos de Dívida.
Diversificar por sectores - Tecnologia, Saúde, Bens de Consumo, Energia, etc.
Diversificar por regiões - Europa, EUA, Mercados Emergentes, etc.
Diversificar por níveis de risco - activos mais tradicionais/estáveis e activos mais arriscados (com maior potencial de crescimento).
NOTA: a ideia não é investir em todos os tipos de activos, sectores ou regiões do mundo. A ideia é olhar para o nosso portfolio e perceber se é necessário fazer algum reajuste, para que ele fique mais equilibrado (para quem prefere uma carteira equilibrada, claro). A mesma lógica pode ser aplicada quando estamos a ponderar um novo investimento: a nova compra vai contribuir para a concentração, dispersão ou diversificação?
Vantagens da Diversificação
Redução do risco - se, por algum motivo, um sector ou empresa forem seriamente afectados, os outros activos em carteira, ajudarão a equilibrar as contas.
"Todo-o-terreno" - os mercados são cíclicos, não só por causa de crises, guerras ou manipulações, mas também, por tendências. Um ano pode ser mais propício para o sector Tecnológico. O ano seguinte pode ser mais favorável para o sector dos Bens de Consumo.
Amiga dos investidores passivos - a maioria das pessoas não tem tempo, nem conhecimentos para acompanhar os ciclos de mercado, nem aquilo que vai acontecendo a nível mundial e que impacta a rentabilidade dos seus investimentos. É aqui que a Diversificação é amiga.
Salvaguarda - a única garantia do amanhã, é a incerteza. Em vez de tentar adivinhar, ter diferentes opções em carteira oferece-nos uma salvaguarda maior.
Qual a quantidade certa?
A resposta é difícil, porque é muito pessoal e depende dos objectivos e perfil de risco.
Uma distribuição que se vê frequentemente por aí, é a seguinte:
Máximo de 5% por cada empresa;
Máximo de 20% por cada sector;
Esta divisão deriva da Teoria Moderna do Portfólio, desenvolvida por Harry Markowitz na década de 60.
Apesar de antiga, ela não é absurda. Mas talvez beneficiasse de uma actualização para o século XXI, para incluir outras classes de activos, mantendo a lógica da proporção.
Do lado dos críticos desta teoria, estava Charlie Munger (o braço direito de Warren Buffett), dois dos maiores investidores de que há registo.
Numa das célebres conferências da Berkshire Hathaway, Munger criticou a Teoria Moderna do Portfólio, dizendo que a diversificação excessiva pode ser mais arriscada do que investir em poucas empresas extraordinárias que o investidor entenda bem.
Esta opinião não é propriamente surpresa, já que Munger - um daqueles casos clássicos do self-made man - sempre foi um crítico dos teóricos universitários e de Wall Street.
Opiniões e Teorias à parte, podemos concluir que:
Diversificar, sim. As quantidades e proporções devem ser ajustadas aos objectivos e realidade de cada pessoa.
Investir em Activos ou Classes de Activos que nos interessem e que entendamos.
Embora a Diversificação, por vezes, possa parecer meio contra intuitiva, é bom lembrar aquilo que alguns investidores da velha guarda dizem: antes de investirmos, não devemos perguntar apenas qual o potencial retorno, mas também, qual o potencial prejuízo?
A partir do momento que trabalhamos com estas duas variáveis em simultâneo, torna-se mais fácil de entender o conceito da Diversificação e, possivelmente, até ajuda a decidir quais as divisões/distribuições a fazer nas nossas carteiras.